sábado, 17 de outubro de 2009

Ficção
Uma História de Uma Vida

Vou contar um pouco da infância de minha mãe.
Pobre coitada sofria tanto que estou até com pena de falar essa historia tão triste que foi a dela.
Quando pequena, minha mãe apanhava todo santo dia.
Esse sofrimento começou desde o nascimento, vocês devem até pensar que toda criança apanha quando nasce, mas com minha mãe foi diferente. Quando ela nasceu ela não chorou, a parteira bateu duas, quatro, seis vezes e nada, a minha avó já irritada pegou minha mãe e deu-lhe logo uma taca, e ela coitada chorou a força, e com muita luta, mais chorou.
Minha mãe só não apanhava em duas circunstâncias: quando minha avó estava doente, ou de resguarde, pelo menos do resguarde ela tinha alivio de um mês por ano, e pra melhorar durante 13 anos seguidos porque era um filho atrás do outro.
Todos os filhos de minha avó são do mesmo mês: dezembro. As datas de aniversário uma seguida da outra. Começando por minha tia que é a mais velha, segue a fileira de aniversário do dia um ao dia treze, é a metade do mês de comemoração. Naquela época era raro haver festa de aniversário, na verdade aniversário era pra rico. Aniversário de pobre é só os abraços de parabéns dos familiares, e dos que lembram e pronto. A família de minha mãe era muito pobre, o dinheiro era mal para as necessidades. Para fazer alguma festa era quase impossível e ainda mais treze dias seguido, nunca.


Continua

Só pra vocês ter noção da pobreza, a família de minha mãe nunca tinha ido pro centro da cidade, sequer carros eles tinham visto. Assim como muitos também que moravam no interior.
Até os aviões mudavam de rota quando era pra passar por cima daquele lugar, os controladores de vôo diziam que era pros passageiros não se constrangerem com a pobreza.
Um dia minha mãe voltado do rio - mais num é do Rio de Janeiro não, é do riacho - que ela sempre ia pra lavar roupa, estava com a irmã dela menor segurada pela mão, escutou uma zoada muito esquisita que se aproximava cada vez mais. Todos se atordoaram, pensavam que o mundo estava se acabando, começou uma correria, com minha mãe coitada, não foi diferente, ela começou a correr pro rumo de casa colocou a irmã dela no braço e disparou pra casa. Chegando lá aos gritos e choros, a mãe dela perguntou:
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­- O que é isso menina!
Ela ainda nervosa:
- Mãe a senhora não ouviu aquela zoada, atordoante?
A minha avó disse:
- Não é disso que eu to falando, eu to falando é desse cachorro no teu braço.
O nervosismo foi tão grande que ela deixou a irmã dela no meu da multidão e levou um cachorro no lugar.


Continua
A zoada que atormentou todo mundo tinha sido um helicóptero que passou por lá, por uma falha dos controladores, que quando se deram conta fizeram o piloto mudar a rota rapidamente.
Ô falha desgraçada, o povo já tava com os cabelos nas mãos, já tinha até quem disse que o helicóptero era uma nave espacial, e mais, que lá dentro tinha ETs que vieram buscá-los.
Minha mãe já vivia a ponto de explodir, por tanta taca que levava, quando minha avó vinha pra bater nela a vontade que ela tinha é de xinga tudo quanto é nome, mais pobre coitada se segurava pra taca não ser maior.
Um dia minha avó foi visitar uma amiga, minha mãe aproveitou e falou:
- É agora.


Continua
Subiu em cima de um toco que tinha em frete a casa dela e vendo que minha avó já ia longe gritou até perder o fôlego:
- “miséeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeera” desceu do toco e respirou fundo, parecia que ela tinha tirado um peso enorme das costas, naquele momento ela sentiu um alívio enorme dentro dela.
Mais pra surpresa de minha mãe, quando minha avó chegou, com aqueles ouvidos biônicos, perguntou se alguém tinha gritado o nome “miséria”, minha mãe coitada ainda assustada pela potência dos ouvidos da minha avó e com um medo enorme de levar mais uma taca disse:

- Mamãe não ouvir nada, a senhora é que ouve demais.

Fim